“Aurora Negra”, espetáculo que elogia, evidencia e marca a força da mulher negra, estará em cena no Rivoli nos dias 8 e 9 de outubro. Três mulheres em cena, três corpos, três línguas. Um espetáculo de Cleo Diára, Isabél Zuáa e Nádia Yracema, que questiona o papel da mulher negra no meio artístico atual. Prometem deixar questões para um futuro imediato (e potenciar a procura de respostas entre nós).


Há uma frase a perpassar o palco. A surgir a cada momento, a intrometer-se no meio de todos: Uma mulher negra feliz é um ato revolucionário.


Um grito contra a indiferença. Um grito para se fazer(em) ouvir em quadrantes que teimam em não as (querer) ouvir. Talvez seja por isso que as palavras, no espetáculo, saem em três línguas distintas. Para que todos as possam ouvir, para que todos as consigam entender.


Em cena, uma mulher que fala. Outra que fala. E mais uma. Fala crioulo. Tchokwe. Português. Três corpos, mulheres na condição de estrangeiras onde são falados esses idiomas. Em cada uma delas uma história. Uma essência, personalidade e trajetória que se cruzam com uma certeza: nada voltará a ser o que já foi.

 

“Aurora Negra” tem, assim, o propósito de ser uma alvorada para as mulheres negras, uma voz que tem que ser ouvida. Neste espetáculo, encenado e interpretado por três mulheres que ocupam o palco e a nossa atenção (Carla Gomes substitui Isabél Zuáa nestas apresentações), há uma busca pelas raízes mais profundas e originais dessas culturas, celebrando o seu legado e projetando um caminho onde se afirmam como personagens principais das suas histórias.


Para as autoras, “o espetáculo nasce da constatação da invisibilidade a que os corpos negros estão sujeitos nas artes performativas. A estes corpos é negado constantemente o acesso à construção das suas narrativas […]. É urgente trazer uma representatividade para os polos artísticos que corresponda à diversidade dos corpos e das falas que habitam Portugal de forma não marginalizada”.



Tributo a mulheres negras intemporais


O espetáculo, que sobe ao palco do Grande Auditório do Teatro Municipal - Rivoli nos dias 8 e 9 de outubro, às 19h30, tem como objetivo interligar as diferentes formas de expressão, como a música, a dança, o vídeo, as artes plásticas e as dramaturgias contemporâneas e ancestrais.


Juntam-se em quadros que se fundem numa linguagem única e dinâmica. Quadros que levam a uma viagem pela história de cada uma delas e, no essencial, pela história de todos nós.


Encenam rituais de passagem de Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde, que nascem da ligação com a ancestralidade de cada uma, homenageando as histórias mitológicas africanas que sobreviveram aos regimes opressores. Como se fossem porta-vozes de uma história que foi contada – mas será que foi fielmente contada?


Incorporam mulheres como Nina Simone, Josephine Baker, Betty Davis, referências intemporais da história, juntas no mesmo tempo e espaço, reunidas para um encontro de criação, questionamento e celebração.


Um campo de pensamentos, de experiências, de partilha, de conhecimento, de interligação. Uma realidade inventada pelas autoras, mas alicerçada em conceitos verdadeiros, como se ela representasse um novo amanhecer, negro, positivo e feliz. 



Questões partilhadas


“Nesta Aurora Negra voltamos ao passado para perceber o presente, projetando um futuro onde a nossa natureza é celebrada”, lê-se no texto que acompanha a apresentação do espetáculo. Pesando as palavras, avançando nas reflexões epistemológicas inerentes a este pensamento.


“Questionamos se na década em que se celebra o afrodescendente, será realmente esta a designação mais adequada ou servirá ela apenas para nos colocar em mais uma caixa da qual não conseguiremos sair? Não seremos todos afrodescendentes? O que é nascer cá, ser trazida para cá ou tornar-se cá? Qual é o poder da palavra Preto/Preta na construção de um pensamento social e que tipo de narrativas estão assentes ou escondidas no seu uso?”


Conseguiremos, afinal, ter respostas a estas questões no final do espetáculo? Teremos, seguramente, um pensamento mais estruturado e certeiro sobre o que ficou por fazer o que podemos fazer, todos juntos, daqui em diante.

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    Atualizado pela última vez 2022-12-06